Erebea
Revista de Humanidades
y Ciencias Sociales
Núm. 2 (2012), pp. 271-287
issn: 0214-0691
Notícias da Pérsia nas DÉCADAS DA ÁSIA
de Diogo do Couto
Rui Manuel Loureiro
Centro de História de Além-Mar, Lisboa; Instituto Superior
Manuel Teixeira Gomes, Portimão
Resumen
Diogo do Couto viveu a maior parte de
sua vida em Goa, onde faleceu em 1616.
Durante os vinte anos inais da sua vida,
preparou para publicação nove volumosas
Décadas da Ásia, sobre os principais feitos
da presença portuguesa no Oriente. Uma
leitura cuidada da produção historiográica
de Diogo do Couto revela que o cronista
português produziu, as mais das vezes, um
mero trabalho de compilação de textos
alheios, aos quais tentou dar um io condutor de natureza cronológica. A análise dos
materiais utilizados por Diogo de Couto a
respeito da Pérsia revela de forma clara as
características, e também as virtualidades,
dos métodos de trabalho utilizados pelo
cronista, que permitiram salvaguardar um
conjunto de notícias que de outra forma se
teriam dispersado irremediavelmente.
Abstract
Diogo do Couto lived most of his life
in Goa, where he passed away in 1616.
During the last twenty years of his life, he
prepared for publication nine Décadas da
Ásia, all of them extensive works, about
Portuguese endeavors in the East. A careful
reading of Couto’s chronicles reveals that
the Portuguese writer produced, more often than not, a mere compilation of other
people’s texts that he tried to organize according to a chronological framework. he
analysis of the materials used by Diogo
do Couto about Persia fully discloses the
characteristics, but also the potentialities,
of his methods of work, which made possible the safeguard of a wealth of news that
otherwise, might have been lost forever.
Palabras Clave
Diogo do Couto; Décadas da Ásia; Intertextualidade; Bibliotecas; Safávidas; Pérsia; Ormuz.
Keywords
Diogo do Couto; Decades of Ásia;
Intertextuality; Libraries; Safavids; Persia;
Hormuz.
Fecha de recepción: 12 de febrero de 2011
Fecha de aceptación: 1 de marzo de 2011
Diogo do Couto não necessita de grande apresentação, pois é decerto o mais
prolíico dos cronistas portugueses de temas orientais.1 Bastará sublinhar que em
1595 foi nomeado pela Coroa portuguesa, então unida a Espanha, como cronista oicial do Estado Português da Índia, tendo passado as duas décadas seguintes
ocupado com a redacção de incontáveis trabalhos historiográicos. As suas obras,
para além das Décadas da Ásia que continuavam os trabalhos de João de Barros, o
grande cronista português de Quinhentos,2 incluem um desaparecido Comentário d’«Os Lusíadas», o Tratado dos Gama, um igualmente desaparecido Epílogo da
História da Índia, a Vida de Dom Paulo de Lima Pereira, uma segunda versão de
uma obra de juventude, o Diálogo do Soldado Prático, e vários relatos de famosos
naufrágios portugueses.
Mas as Décadas da Ásia são, sem qualquer dúvida, o principal feito literário
de Diogo do Couto, das páginas das quais, aliás, ele extraiu várias das suas outras
obras. Num período de 20 anos, entre 1596 e 1616, data do seu desaparecimento, o cronista português foi responsável pela composição de nove Décadas, todas
elas obras volumosas, com muitas centenas de fólios, tratando dos empreendimentos portugueses nas terras e mares orientais que se estendiam desde o Cabo da
Boa Esperança até ao longínquo arquipélago do Japão, durante o longo período
compreendido entre 1526 e 1600. Embora versões mais extensas e/ou ligeiramente diferentes das Décadas da Ásia tenham sido entretanto publicadas,3 para o
presente trabalho utilizar-se-á a única edição completa das crónicas de Diogo do
Couto, impressa entre 1778 e 1788 pela Régia Oicina Tipográica de Lisboa.4 A
história das Décadas da Ásia, que tem sido frequentemente glosada,5 é bastante
1 Para uma bio-bibliograia concisa de Couto, com amplas referências bibliográicas, ver Rui
Manuel LOUREIRO, A Biblioteca de Diogo do Couto. Macau: Instituto Cultural de Macau, 1998,
pp. 53-76.
2 Sobre o trabalho historiográico de João de Barros, ver Charles R. BOXER, João de Barros –
Portuguese Humanist and Historian of Asia. Nova Delhi: Concept Publishing, 1981.
3 Ver Diogo do COUTO, Década Quinta, ed. Marcus de Jong. Coimbra: Biblioteca Geral da
Universidade de Coimbra, 1937; e Maria Augusta Lima CRUZ, Diogo do Couto e a Década 8ª da
Ásia. 2 vols. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda & Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1993-1994 (versão extensa da Década Oitava).
4 Diogo do COUTO, Da Ásia – Décadas, ed. Nicolau Pagliarini [1778-1788]. 15 vols. Lisboa:
Livraria Sam Carlos, 1973-1975.
5 Ver António Coimbra MARTINS, “Sobre a génese da obra de Couto (1569-1600)”, Arquivos
do Centro Cultural Português, vol. 8 (1974), pp. 131-174; e também António Coimbra MARTINS,
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complicada, envolvendo roubo de manuscritos, reescrita de versões desaparecidas,
destruição de volumes impressos, etc. O responsável pela única edição completa,
Nicolau Pagliarini, com todos os meios postos à sua disposição, apenas conseguiu
apresentar versões resumidas, ou epítomes, da Década Oitava, da Década Nona e
da Década Undécima. Entretanto, o quadro seguinte resume a história editorial
das Décadas:
Período
abrangido
Data de conclusão
do manuscrito
Local e data da
primeira edição
Década IV
1526-1536
1596
Lisboa, 1602
Década V
1537-1545
1597
Lisboa, 1612
Década VI
1545-1554
1597
Lisboa, 1612-1614
Década VII
1554-1564
1601-1603
Lisboa, 1616
Década VIII
1564-1571
1615-1616
Lisboa, 1673
Década IX
1571-1579
1613-1616
Lisboa, 1736
Década X
1580-1588
1600
Lisboa, 1788
Década XI
1588-1597
1610
Lisboa, 1788
Década XII
1597-1600
1611
Paris, 1645
Algumas observações se impõem. Em primeiro lugar, deverá sublinhar-se que
apenas quatro das Décadas de Couto foram publicadas durante a sua vida, e destas ele não teve oportunidade de examinar exemplares da Década Sétima. Todas
as outras Décadas foram publicadas sob a supervisão de outra(s) pessoa(s). Em
segundo lugar, levanta-se a questão da cronologia da redacção: aparentemente,
Couto iniciou o seu trabalho de cronista com a Década Sétima (incluindo muitos
eventos que tinha presenciado no Oriente entre 1559 e 1564) e com a Década
Décima (incluindo eventos posteriores a 1580 e imediatamente anteriores a 1589,
data em que começou a solicitar da Coroa hispano-portuguesa o posto de cronista oicial do Estado da Índia). Só depois de ter sido nomeado para as funções de
guarda-mor dos arquivos goeses, em 1595, retomou a escrita das Décadas por ordem cronológica de acontecimentos, começando com os anos posteriores a 1526.
Enim, em terceiro lugar, deverá notar-se a extraordinária velocidade com que ele
escreveu as suas primeiras três Décadas, num período de apenas dois anos. É óbvio
“História de Diogo do Couto e dos seus livros”, Revista da Universidade de Coimbra, vol. 36 (1991),
pp. 73-118.
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que estaria a utilizar materiais anteriormente compilados, durante os seus anos de
residência indiana.
A narrativa dos acontecimentos que envolvem os portugueses no Oriente
centra-se em Goa, a base estratégica do Estado da Índia e o lugar de residência
habitual de Diogo do Couto.6 Em volta deste núcleo, os capítulos das sucessivas
Décadas da Ásia concentram-se em diferentes lugares geográicos e em distintos
espaços temáticos, de acordo com uma ordenação mais ou menos cronológica.
Assim, seria possível organizar narrativas parciais em torno de especíicas áreas
regionais onde os interesses portugueses se concentravam, tais como a Etiópia,
Ormuz e o Golfo Arábico-Pérsico, Cambaia, o Malabar, Ceilão, Malaca, as ilhas
de Maluco, etc. Ou então, em torno de distintos temas, como as armadas da
carreira da Índia, os relatos de naufrágio, as expedições terrestres, etc.7 Como
regra, o cronista lusitano trata de eventos referentes a uma destas áreas ou temas
num dado capítulo (ou capítulos), interrompe a sua história para introduzir nova
temática ou nova área geográica, e assim por diante, regressando posteriormente
à primeira área, para prosseguir com a narrativa. Comparando o espaço textual
total dedicado às diferentes áreas, seria possível estabelecer uma hierarquia das
regiões orientais tratadas, consoante a respectiva importância para o Estado da
Índia.8
Nesta hierarquia, a Pérsia ocupa uma posição algo modesta, quando comparada, por exemplo, com Cambaia, com Goa, com Ceilão ou com a Península
Malaia, por exemplo, regiões às quais as sucessivas Décadas da Ásia dedicam extensas porções narrativas. Sabendo que as crónicas portuguesas oiciais da época
privilegiavam os feitos militares, compreender-se-á o lugar relativamente secundário ocupado pelos assuntos persas na obra coutiana, já que entre 1526 e 1600,
período historiado por Couto, os portugueses mantiveram um relacionamento
relativamente pacíico e distante com o império safávida, para onde despacharam
sucessivas embaixadas e missões diplomáticas, quase nunca se envolvendo em
6 Para uma síntese da história da presença portuguesa no Oriente, ver Sanjay SUBRAHMANYAM, he Portuguese Empire in Asia, 1500-1700: A Political and Economic History. Londres:
Longman, 1993.
7 A propósito da utilização por Couto de relatos de viagem e relatos de naufrágio, ver Rui
Manuel LOUREIRO, “Intertextualidades orientais: relatos de viagens e relações de naufrágios nas
Décadas de Diogo do Couto”, in Ana Paula LABORINHO, Maria Alzira SEIXO & Maria José
MEIRA (eds.): A Vertigem do Oriente: Modalidades Discursivas no Encontro de Culturas. Lisboa &
Macau: Edições Cosmos & Instituto Português do Oriente, 1999, pp. 45-60.
8 Nesta lógica, a respeito da Índia e do Ceilão, ver respectivamente: Maria Augusta Lima
CRUZ, “A ‘Crónica da Índia’ de Diogo do Couto”, Mare Liberum, n. 3 (1991), pp. 383-391; e
Rui Manuel LOUREIRO, “he Matter of Ceylon in Diogo do Couto’s Décadas da Ásia”, in Jorge
FLORES (ed.): Re-exploring the Links – History and Constructed Histories between Portugal and Sri
Lanka. Wiesbaden: Harrassowitz Verlag, 2007, pp. 79-93.
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confrontos com forças persas.9 Contudo, ainda assim, Diogo do Couto regressa à
região do Golfo Arábico-Pérsico e aos assuntos persas de forma regular, pois uma
das bases estratégicas do Estado da Índia situava-se precisamente em Ormuz, na
periferia da Pérsia, onde, de facto, ocorreram ao longo do século XVI diversos recontros bélicos. A primeira menção à Pérsia ocorre na Década Quarta, terminada
em 1596. A partir de então, temas persas aparecem recorrentemente ao longo das
páginas das Décadas da Ásia, com excepção das Décadas Oitava, Nona, Undécima
e Duodécima – por coincidência aquelas que se conhecem apenas em versão resumida ou incompleta10 –, que não contêm quaisquer informações de âmbito persa.
Vejamos com algum pormenor a matéria persa nas Décadas da Ásia de Diogo do
Couto.11
A Década Quarta, com primeira edição em Lisboa em 1602, contém algumas
referências breves a acontecimentos ocorridos em Ormuz na década de 15261536 (4-4-9; 4-5-7), além de uma descrição da célebre viagem que António Tenreiro realizou da Índia até Portugal por terra em inais da década de 1520 (4-5-7).
Couto parece ter utilizado, para a narração desta jornada, uma das duas primeiras
edições do Itinerário do viajante português, que foram impressas em Coimbra em
1560 e em 1565.12 Esta Década inclui ainda um capítulo sobre a “jornada que o
Turco Soleimão fez contra o Xathamaz” em 1534 (4-8-14).13 Trata-se da primeira
referência extensa às coisas da Pérsia, que é justiicada pelo cronista pelo facto de
estes conlitos terem sido “em detrimento, e damno da Alfandega, e rendimento
9 Sobre a história das relações luso-persas nos séculos XVI e XVII, ver Willem Floor, he Persian Gulf: A Political and Economic History of Five Port Cities, 1500-1730. Washington, DC: Mage
Publishers, 2006, passim; Dejanirah COUTO & Rui Manuel LOUREIRO, Ormuz: 1507-1622:
Conquista e Perda. Lisboa: Tribuna da História, 2007; e também João Teles e CUNHA, “he Portuguese Presence in the Persian Gulf ”, in Lawrence G. POTTER (ed.): he Persian Gulf in History. Londres: Palgrave Macmillan, 2009, pp. 207-234. Sobre o desenvolvimento de um discurso
português relativo à Pérsia, ver João Teles e CUNHA, “he Eye of the Beholder: he Creation of a
Portuguese Discourse on Safavid Persia”, in Rudi MATTHEE & Jorge FLORES (eds.): Portugal,
he Persian Gulf and Safavid Persia. Lovaina: Peeters, 2011, pp. 11-50.
10 Destas quatro Décadas, apenas da Década Oitava se recuperou até à data uma versão extensa:
ver CRUZ, Diogo do Couto.
11 As Décadas da Ásia da edição de Nicolau Pagliarini são citadas no corpo do texto, com três
ou dois números: no primeiro caso, ‘década-livro-capítulo’; no segundo caso, ‘década-capítulo’.
12 Ver Diogo do COUTO, Década Quarta da Ásia, ed. Maria Augusta Lima Cruz. 2 vols.
Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Fundação Oriente & Comissão Nacional para as
Comemorações dos Descobrimentos portugueses, 1999, vol. 2, pp. 60-64 (nota de João Teles e
Cunha). Não existe ainda uma edição crítica da obra de António Tenreiro; a propósito, ver Jean
AUBIN, “Pour une étude critique de l’Itinerário d’António Tenreiro”, Arquivos do Centro Cultural
Português, vol. 3 (1971), pp. 238-252, e Jean-Louis BACQUÉ-GRAMMONT, “Un
Un rapport ottoman sur António Tenreiro”, Mare Luso-Indicum, vol. 3 (1976), pp. 161-173.
13 Ver COUTO, Década Quarta, ed. Lima Cruz, vol. 2, pp. 99-100 (nota de Sanjay Subrahmanyam); sobre o reinado do xá hamasp, ver Andrew J. NEWMANN, Safavid Iran: Rebirth of a
Persian Empire. Londres: I.B. Tauris, 2006, pp. 26-40.
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da fortaleza de Ormuz”. A fortaleza portuguesa de Ormuz, convém lembrá-lo,
era uma das mais importantes fontes de rendimento do Estado da Índia, graças
ao importante movimento comercial que por ela transitava. Alguns indícios textuais fazem supor que Couto traduziu neste capítulo um texto de origem italiana,
ainda não identiicado, para descrever “as guerras de antre o Turco, e o Rey da
Pérsia” (4-8-14). Numerosos viajantes italianos cruzaram os caminhos terrestres
da Ásia ao longo do século XVI, fazendo muitos deles prolongadas estadas em
possessões do Estado da Índia. Bastará lembrar o caso de Michele Membré, que
cruzou a Pérsia em 1539-1540, para depois se dirigir a Goa, de onde posteriormente viajou para a Europa por via marítima. De volta a Veneza, este emissário
enviado à corte do Xá Tahmasp redigiu uma circunstanciada relação de viagem,
para além de ter colaborado com o erudito veneziano Giovanni Battista Ramusio
na compilação de materiais sobre a Pérsia.14 Diogo do Couto poderia ter recorrido
a algum texto deste género. Mas também poderia ter recebido informações orais.
E nomeadamente de Qara Hasan, um janízaro originário da Eslavónia, que em
1563 conheceu em Baroche, e que lhe deu notícia de outros sucessos otomanos: “communicámos, estando elle alli por Capitão, e liamos Ariosto, Petrarcha,
Dante, Petro Bembo, e outros Poetas Italianos, a que elle era muito afeiçoado,
e gostava muito de o nós entendermos” (5-1-11). Outra fonte provável, onde o
cronista poderia ter buscado inspiração para algumas informações que transmite
sobre a história da formação do império otomano, seria o hoje raríssimo Livro
da origem dos Turcos de Frei Diogo de Castilho, impresso em Antuérpia em 1538
em língua portuguesa, de que alguns exemplares teriam certamente chegado às
possessões portuguesas no Oriente.15
A Década Quinta , que foi concluída em 1597 e impressa pela primeira vez em
1612, apresenta logo no primeiro livro um extenso capítulo dedicado às relações
entre os mogores e os uzbeques (5-1-13).16 Embora não directamente relacionada
com a Pérsia, a matéria tratada não deixa de intersectar assuntos iranianos, já que
os safávidas, na época, mantinham relações activas, e nem sempre pacíicas, quer
com o império mogol, quer com os uzbeques. Trata-se de um capítulo exemplar,
14 Michele MEMBRÉ, Mission to the Lord Sophy of Persia (1539-1542), ed. A.H. Morton.
Londres: E.J.W. Gibb Memorial Trust, 1999, passim. Para uma visão genérica das relações entre
Veneza e a Pérsia, ver Giorgio ROTA, Under Two Lions: On the Knowledge of Persia in the Republico
f Venice (ca.1450-1797). Viena : Österreichische Akademie der Wissenschaften, 2009. E sobre Ramusio, ver Jerome R. BARNES, Giovanni Battista Ramusio and the history of discoveries [dissertação
de doutoramento policopiada]. Arlington: University of Texas at Arlington, 2007.
15 Sobre esta obra, ver Rui Manuel LOUREIRO, “Osmanlilar
anlilar Hakkinda
kkinda Flandre’de 1530’ da
Yayinlanan Portekiz Metinleri”, in Dejanirah COUTO (ed.): Avrupa ve Osmanlila: Yedi Yüzyillik
Savas ve Diyalog. Istambul: Kit y Yveni, 2010, pp. 95-116.
16 Sobre o contexto centro-asiático, ver Mansura HAIDAR, Central Asia in the Sixteenth Century. Nova Delhi: Manohar, 2002, passim; e também Peter B. GOLDEN, Central Asia in World
History. Oxford: Oxford University Press, 2011, pp.105-121.
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no qual Couto alardeia uma vasta erudição, multiplicando referências intertextuais. As fontes são variadas, mas facilmente identiicáveis. O cronista refere-se a
“Ruy Gonçalves de Clavijo no seu Itinerario”, o que leva a supor que conheceria
a Historia del Gran Tamerlan, obra que relatava a jornada asiática levada a cabo
pelo embaixador espanhol nos primeiros anos do século XIV, impressa em 1582
em Sevilha por Gonzalo Argote de Molina.17 Entre as outras autoridades citadas,
o primeiro nome é “João Maria Angelo”, referência óbvia à “Breve narratione della
Vita et Fatti del Signor Ussuncassano”, escrita por Giovanni Maria Angiolello,
texto quatrocentista sobre as guerras turco-persas, originalmente impresso em Vicenza em 1490, que foi incluído no segundo volume das Navigationi et Viaggi
de Giovanni Battista Ramusio (Veneza, 1559, ls. 66-78).18 Depois, aparece uma
alusão a “Micer Catherino Zeno”, que se reporta aos “Commentarii del Viaggio in
Persia” atribuídos ao embaixador quatrocentista Caterino Zeno, texto igualmente
incluído por Ramusio na sua monumental colectânea, apenas a partir da 2ª edição
do segundo volume das Navigationi (Veneza, 1574, ls. 221v-221v).19 Uma obra
do “douto Varão Paulo Jovio”, também citado neste capítulo, igura igualmente no
segundo volume das Navigationi et Viaggi ramusianas. Trata-se de um relato “Delle
cose delle Moscovia” (Veneza, 1559, ls. 131v-137), preparado pelo historiador
italiano Paolo Giovio, com base em informações que lhe haviam sido fornecidas
por um emissário enviado a Roma em 1525 pelo grão-duque da Moscóvia.20 Todas
estas fontes continham matérias relacionadas com a Pérsia. Parece certo que Diogo
do Couto possuiria na sua biblioteca pessoal ao menos a 2ª edição do segundo
volume da monumental compilação de Giovanni Battista Ramusio.
No livro oitavo da mesma Década Quinta aparece a história do exílio do segundo imperador mogor Humayun na Pérsia na década de 1540, com notícias
sobre o apoio que lhe foi dado pelo Xá Tahmasp,21 que Couto confunde com “o
17 Sobre González de Clavijo e o seu relato, ver Rafael L�PEZ GUZMÁN (ed.): Viaje a Samarkanda – Relación de la Embajada de Ruy González de Clavijo (1403-1406). Granada: Fundación
Publica Andaluza El Legado Andalusi, 2009.
18 George B. PARKS, “he
“he Contents and Sources of Ramusio’s Navigationi”, in Giovanni Battista RAMUSIO, Navigationi et Viaggi – Venice 1563-1606, ed. R.A. Skelton & George B. Parks. 3
vols. Amesterdão: heatrum Orbis Terrarum, 1967-1970 (vol. 3, pp. 1-39), p. 20. Para uma edição
recente do relato de Angiolello, ver Giovanni Battista RAMUSIO, Navigazioni e Viaggi, ed. Marica
Milanesi. 6 vols. Turim: Einaudi, 1978-1988, vol. 3, pp. 365-420. Sobre Angiolello, ver ROTA,
Under Two Lions, passim.
19 PARKS, “he
“he Contents and Sources”, pp. 23-24. Para uma edição recente, ver RAMUSIO,
Navigazioni e Viaggi, vol. 4, pp. 143-201. Sobre Zeno, ver ROTA, Under Two Lions, passim.
20 PARKS, “h
“hee Contents and Sources”, p. 22. Sobre Paolo Giovio, ver T.C. Price ZIMMERMANN, Paolo Giovio: he Historian and the Crisis of Sixteenth-Century Italy. New Jersey: Princeton
University Press, 1995.
21 Sobre o exílio de Humayun na Pérsia, ver Riazul ISLAM, Indo-Persian Relations: A Study of
the Political and Diplomatical Relations between the Mughul Empire and Iran. Teerão: Iranian Culture
Foundation, 1970, pp. 22-47.
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Xá Ismael” (5-8-11). No que toca a assuntos asiáticos, o nosso cronista convoca
diferentes temas quanto tal lhe aparece oportuno no correr da narração: “Em
quanto nos dura o tempo do inverno, em que não há que fazer em nossas cousas,
daremos razão das alheias” (5-8-11). Diogo do Couto retoma um tema que já
abordara antes, a história dos imperadores mogores, provavelmente com base em
informações orais de “Embaixadores dos mesmos Magores, que a esta Cidade de
Goa vieram” (4-10-1). Aliás, o nosso autor reconhece estar a registar coisas que
“nos airmáram os Magores”. Mas outros dois dos seus informadores merecem
especial destaque.22 Um deles era “hum homem Polaco, chamado Gabriel, que
veio de lá por Moscovia aos Husbeques, e esteve na Corte de Abdulacan, Rei de
Camarcant, alguns annos, e dalli passou ao Magor, em cuja casa, e serviço andou
quinze anos, e depois veio ter a esta Cidade de Goa”. Aqui o encontrou o cronista,
que com ele conversou amiúde, recolhendo informes sobre “muitas cousas daquellas partes, que elle notou bem, por ser hum homem muito experto, e de vivo
engenho”. O polaco, segundo parece, percorrera demoradamente “a Mascovia, a
Husbequia, a Persia, a Tartaria”, chegando mesmo “a Cambalec, Corte do Grão
Cão”, para depois regressar ao Indostão, correndo “todos os Reynos dos Magores,
e todo o de Cambaya, e Cinde”.23 O outro informador era Cosme Correia, um
casado português residente na Índia, “que por espancar hum Feitor, fugio pera
Cambaya, e dalli se passou á Corte do Magor”.24 Este homem, segundo o cronista, “dava desta jornada muito boa razão, por ser homem avisado, e de quem
o Magor foi grande amigo”. E não é impossível que Couto dele tivesse recebido
uma Relação das coisas dos Mogores, de que parece transcrever extractos no capítulo
referido (5-8-11).
Ainda na Década Quinta (5-9-1; 5-9-5; 5-10-1; 5-10-3) encontram-se múltiplas referências a Ormuz, que valerá a pena destacar, porque diversas notícias
apresentadas por Couto são retiradas, sem qualquer identiicação da fonte, da Relação do Estado da Índia que Frei Agostinho de Azevedo concluiu nos últimos anos
do século XVI. Este religioso da Ordem de Santo Agostinho, que estanciou no
Oriente durante longos anos, preparou a pedido do próprio Diogo do Couto uma
longa e bem informada relação manuscrita sobre assuntos asiáticos, que o cronista
transcreve ielmente em diversas partes das suas Décadas da Ásia.25 Couto airma
22 Ver CRUZ, “A ‘Crónica da Índia’”, p. 387.
23 Ver Jan KIENIEWICZ, “Nouvelles et marchandises: la perspective polonaise des Découvertes portugaises”, in Jean AUBIN (ed.): La Découverte, le Portugal et l’Europe. Paris: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1990 (pp. 331-345), p. 344.
24 Sobre Cosme Correia, ver Roberto GULBENKIAN, Estudos Históricos. 3 vols. Lisboa: Academia Portuguesa da História, 1995, vol. 1, pp. 273-274; e também Jorge FLORES, Firangistân e
Hindustân: O Estado da Índia e os Conins Meridionais do Império Mogol (1572-1636) [dissertação
de doutoramento policopiada]. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa, 2004, pp. 54-55.
25 Ver Georg SCHURHAMMER, Francisco Javier Javier – Su vida y su tiempo. 4 vols. Pam-
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a dada altura que consultou os relatórios de contas “dos Feitores daquelle tempo,
que serviam em Ormuz” (5-9-1). Mas está a apropriar-se de notícias alheias, pois o
seu informador, a respeito das contas daquela praça, é bem explícito: “eu tambem
vi nos mesmos livros donde tirei estes capitulos quando com as mais informações
e doações e origem e fundação do reyno de Ormuz mandei huma relação a Diogo
do Couto casado em Goa as quaes me mandou pedir pera a continuação das suas
Decadas”.26 Num dos seus capítulos (5-10-1), Couto transcreve partes da crónica dos reis de Ormuz, hoje desaparecida, Shâhnâma, cuja tradução Agostinho de
Azevedo conseguiu obter durante a sua residência na ilha de Djerun.27 Valerá a
pena observar, a propósito, que Couto também poderia ter colhido algumas destas notícias no Tratado das cousas da China de Frei Gaspar da Cruz, impresso em
Évora em 1569-1570, que incluía em apêndice uma tradução de trechos da mesma
crónica ormuzina, que anda atribuída a Turan Shah, soberano da ilha entre 1347 e
1378.28 Escassos anos mais tarde, o viajante português Pedro Teixeira apresentaria
uma outra versão da mesma crónica ormuzina, em tradução de sua autoria, nas
Relaciones d’el origen, descendencia y suçcession de los Reyes de Persia, y de Harmuz,
impressas em Antuérpia em 1610.29 A determinado passo, Couto fala “no Catalogo que trouxemos de todos os Reys de Ormuz” (5-10-1); estava apenas a referir-se
à Relação do Estado da Índia de Agostinho de Azevedo, que contém a dita listagem
de reis. O religioso agostinho, entretanto, airma explicitamente a determinado
passo: “o que deixo pera os coronistas a quem a historia da India esta encomendada continuando as Decadas de João de Barros pera o que muitas vezes me pedirão
relação das cousas de ormuz, e eu lha dei bem larga das cousas daquellas partes,
que ate hoje estiverão ocultas a todos aquelles que as escreverão”.30 Entretanto,
aparece ainda na versão coutiana uma passagem erudita, com referências a Marco
Polo, a “Aiton Armenio” e a “Sabellico” (5-10-1), que não igura na versão que
hoje conhecemos do texto do frade agostinho. Tratar-se-á de um arremedo livresco
plona: Gobierno de Navarra, Compañía de Jesús & Arzobispado de Pamplona, 1992, vol. 3, pp.
564-571.
26 António da Silva REGO (ed): Documentação Ultramarina Portuguesa. 5 vols. Lisboa: Centro
de Estudos Históricos Ultramarinos, 1960-1967, vol. 1, p. 205. Ver LOUREIRO, A Biblioteca, p.
402, e referências aí citadas.
27 Ver SCHURHAMMER, Francisco Javier, vol. 3, pp. 564 e 630.
28 Cf. Gaspar da CRUZ, Tratado das coisas da China, ed. Rui Manuel Loureiro. Lisboa: Cotovia, 1997, pp. 267-279. Sobre a história do reino de Ormuz no período anterior à chegada dos portugueses, ver Jean AUBIN, “Le royaume d’Ormuz au début du XVIe siècle”, Mare Luso-Indicum,
vol. 2 (1973), pp. 77-179.
29 Cf. Pedro TEIXEIRA, Relaciones del origen, descendencia y succession de los Reys de Persia, y de
Harmuz, ed. Eduardo Baraja Sala. Madrid: Miraguano Ediciones & Ediciones Polifemo, 1994, pp.
317-348. Sobre Pedro Teixeira, ver Rui Manuel LOUREIRO, “Drogas Asiáticas e Práticas Médicas
nas Relaciones de Pedro Teixeira (Antuérpia, 1610)”, Revista de Cultura, n. 32 (2009), pp. 24-32.
30 REGO (ed.): Documentação Ultramarina, vol. 2, p. 211.
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Notícias da Pérsia nas DÉCADAS DA ÁSIA de Diogo do Couto
do cronista português? Estas referências reportam-se, respectivamente, à obra de
Marco Pólo,31 consultada por Couto na edição que dela preparou Ramusio para as
suas Navigationi et Viaggi (vol. 2, 1559, ls. 2-60v); ao relato das conquistas mongóis, que a partir de inais do século XIII correu a Europa sob forma manuscrita,
atribuído a Haitão, parente de um monarca arménio, que acabou por ser impresso
também nas Navigationi et Viaggi (vol. 2, 1559, ls. 62v-65);32 e à Coronica geral
da eneyda segunda de Marco António Sabélico, conhecido autor quatrocentista,
que foi primeiro impressa em “lingoagem portugues” em Coimbra em 1553.33 As
referências coutianas, contudo, são muito supericiais, não implicando necessariamente uma consulta destas obras concretas.
A Década Sexta , terminada em 1597 e publicada em Lisboa em 1612-1614,
continua a tratar assuntos referentes a Ormuz, desta vez com base em informações
orais (6-4-5; 6-7-7-). Couto terá também tido acesso a um manuscrito da Crónica
do Vice-Rei Dom João de Castro, preparado entre 1594 e 1598 por Dom Fernando
de Castro.34 A versão coutiana dos acontecimentos aproxima-se de tal maneira da
lição da obra do neto de Dom João de Castro, que diicilmente se poderá pôr em
dúvida a íntima ligação existente entre ambos os textos.35 No livro décimo desta
Década surge um extenso relato, em sete capítulos (6-10-1/5; 6-10-10; 6-10-13),
da expedição otomana que no início da década de 1550 o almirante turco Piri
Reis conduziu contra Mascate e Ormuz. É difícil identiicar as fontes a que recorreu Diogo do Couto; mas talvez tivesse utilizado sobretudo documentação de
arquivo, conjugada com depoimentos orais de alguns dos intervenientes que mais
tarde viveram em Goa, como os dois irmãos madeirenses André e Diogo Feio.
Valerá a pena salientar o íntimo conhecimento que o relato do cronista demonstra de alguns dos sucessos ocorridos no campo inimigo, obtidos talvez junto de
cativos portugueses que acabaram por ser resgatados.36
31 Sobre Marco Polo, ver a obra já antiga, mas sempre interessante, de Leonardo OLSCHKI,
Marco Polo’s Asia. Berkeley: University of California Press, 1960, pp. 301-360. Para a versão ramusiana, cf. RAMUSIO, Navigazioni e Viaggi, vol. 3, pp. 7-297.
32 Sobre Haitão, ver Joan-Pau RUBIÉS, “Late medieval ambassadors and the practice of crosscultural encounters, 1250-1450”, in Palmira BRUMMETT (ed.): he ‘Book’ of Travels: Genre, Ethnoly and Pilgrimage, 1250-1700. Leiden: Brill, 2009, pp. 37-112. Cf. RAMUSIO, Navigazioni e
Viaggi, vol. 3, pp. 299-355.
33 Maria Alzira Proença SIM�ES, Catálogo dos Impressos de Tipograia Portuguesa do Século
XVI – A Colecção da Biblioteca Nacional. Lisboa: Biblioteca Nacional, 1990, p. 327. Ver também
Peter G. BIETENHOLZ & homas B. DEUTSCHER, Contemporaries of Erasmus: A Biographical
Register of the Renaissance and Reformation. 3 vols. Toronto: University of Toronto, 2003, vol. 3,
pp. 181-182.
34 Para uma edição recente, ver Dom Fernando de CASTRO, Crónica do Vice-Rei D. João de
Castro, ed. Luís de Albuquerque & Teresa Cunha Matos. Tomar: Escola Superior de Tecnologia de
Tomar, 1995.
35 Ver LOUREIRO, A Biblioteca, p. 403, e as referências aí citadas.
36 Ver Dejanirah COUTO, “L’espionnage portugais portugais dans l’empire ottoman”, in Jean
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Na Década Sétima, concluída em 1603 e impressa em Lisboa em 1616, ainda
em vida de Couto, surge um capítulo dedicado à jornada que Dom Álvaro da
Silveira realizou a Baçorá em meados da década de 1550 (7-3-4), o qual talvez
se tenha inspirado numa lembrança manuscrita preparada por uma testemunha
dos eventos.37 De seguida, aparece uma breve notícia sobre a “diferença que há
antre Persas e Árabes sobre a opinião de suas seitas” (7-4-8). É difícil determinar a
fonte utilizada por Couto na redacção desta breve relação do islamismo, na qual se
apresenta um historial das divergências entre sunitas e xiitas. Talvez tenha sido tomada de algum dos variadíssimos textos de origem italiana incluídos no segundo
volume das Navigationi et Viaggi de Giovanni Battista Ramusio.38 Entretanto, valerá talvez a pena confrontar algumas passagens coutianas com excertos da Suma
Oriental de Tomé Pires, o boticário português que viveu no Oriente nos inícios
do século XVI, onde se abordam idênticas questões de forma relativamente desenvolvida.39 Adiante, na mesma Década Sétima, surgem alguns informes sobre
conlitos sucessórios entre os otomanos, que envolveram também o Xá Tahmasp,
tratando nomeadamente da fuga de Bayazid para a Pérsia em 1558-1560 (7-815). O cronista poderia ter recorrido aqui a informadores agostinhos, uma vez
que estes religiosos, a partir de Ormuz, tiveram oportunidade de reunir um vasto
cabedal de notícias sobre as relações da Pérsia com o império otomano.40 Alternativamente, estaria de novo a recorrer a fontes italianas ainda não identiicadas.
A Década Décima, concluída em 1600, mas só publicada pela primeira vez no
século XVIII, concentra o mais alargado conjunto de notas sobre assuntos relativos aos safávidas. Abrangendo eventos ocorridos entre 1580 e 1588, esta crónica
documenta um período em que Diogo do Couto vivia em Goa e já se ocupava
com a compilação de materiais sobre a história da presença portuguesa no Oriente. Esta Década, aliás, terá sido uma das primeiras a que o cronista lançou mãos,
AUBIN (ed.): La Découverte, le Portugal et l’Europe, pp. 243-267. Mais especiicamente sobre a expedição de Piri Reis, ver também Dejanirah COUTO, “Portuguese-Ottoman Rivalry in the Persian
Gulf in the Mid-Sixteenth Century: he Siege of Hormuz, 1552”, in Rudi MATTHEE & Jorge
FLORES (eds.): Portugal, he Persian Gulf and Safavid Persia, pp.145-175.
37 Sobre esta expedição, ver Willem Floor, he Persian Gulf, p. 178 ; Maria do Rosário
S. hemudo Barata A. CRUZ, “A ‘questão de Baçorá’ na menoridade de D. Sebastião
(1557-1568); e tambén Dejanirah COUTO “‘Un coup d´épée dans l´eau’: La «Memoria da tomada da fortalleza de Catifa» et l´expédition à Bassorah (1551)”, in Dejanirah
COUTO & Rui Manuel LOUREIRO (eds.): Revisiting Hormuz- Portuguese Interactions
in the Persian Gulf Region in the Early Modern Period. Wiesbaden: Harrassowitz Verlag
& Calcuste Gulbenkian Foundation, 2008, pp. 57-88. A perspectiva das informações
colhidas na Índia e as iniciativas do governo”, Revista da Faculdade de Letras de Lisboa, 5ª
série, vol. 6 (1986), pp. 49-64.
38 Ver PARKS, “he
“he Contents and Sources”, pp. 17-26.
39 Ver Rui Manuel LOUREIRO, O Manuscrito de Lisboa da ‘Suma Oriental’ de Tomé Pires.
Macau: Instituto Português do Oriente, 1996, pp. 69 e sgs.
40 Ver GULBENKIAN, Estudos Históricos, vol. 1, pp. 133 e sgs.
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Notícias da Pérsia nas DÉCADAS DA ÁSIA de Diogo do Couto
quando começou a pensar em solicitar da Coroa portuguesa o posto de cronista
dos feitos orientais. As notícias sobre Ormuz e sobre a expedição de Dom Gonçalo de Meneses a Xamel, na década de 1580, onde se incluem muitas referências a
assuntos persas (10-2-10/14), devem ter sido tomadas de alguma relação da jornada preparada por um anónimo participante. Couto poderia ainda ter recorrido
ao seu conhecido informador Frei Agostinho de Azevedo, que viveu em Ormuz
durante onze anos. Trata-se de uma das raríssimas expedições militares portuguesas em território persa, justiicação para a atenção que o nosso cronista lhe presta.
Uma das fontes possíveis para a narrativa de eventos ocorridos em Ormuz, utilizada mais tarde, na redacção inal desta Década, seria ainda o manuscrito da Vida
e acções de Matias de Albuquerque, biograia heróica redigida por volta de 1600,
talvez por Miguel de Lacerda, que Couto recebeu das mãos do próprio Vice-rei,
quando este exerceu o cargo entre 1591 e 1597.41
De seguida, surge ao longo de oito capítulos da Década Décima (10-3-1; 104-1/2; 10-5-2; 10-6-11/12; 10-8-1; 10-9-3) uma descrição muito minuciosa dos
conlitos civis entre persas, e destes com os otomanos, ocorridos a partir de 1578,
no tempo do Xá Muhammad Khudabanda.42 O longo excurso turco-persa conigura uma incursão estritamente orientalista do cronista português, uma vez que
os assuntos tratados, ao menos de forma directa, nada têm a ver com o Estado
da Índia. A não ser, claro está, se tivermos em conta uma estratégia global de
hostilidade face ao império otomano. Estes capítulos poderiam basear-se em alguma relação de origem persa, traduzida para português, que talvez tivesse sido
fornecida por Frei Agostinho de Azevedo, um dos principais informadores de
Diogo do Couto em questões relacionadas com a Pérsia. Aliás, o texto transcrito
nesta Década Décima poderia originalmente ter feito parte da Relação do Estado
da Índia redigida pelo religioso agostinho, que por sua vez o teria tomado de alguma crónica persa coetânea, talvez o Ahsan al-Tavarikh do cronista quinhentista
Hasan Rumlu.43 Esta mesma Década Décima, a dado passo, inclui uma relação
da embaixada que o Estado da Índia “mandou ao Oxá [sic] pelo Padre Fr. Simão
de Moraes” (10-5-6).44 Este “Religioso muito virtuoso, e de grande exemplo”,
poderia ter sido um dos informadores de Diogo do Couto, já que “os annos que
41 Ver António BAI�O, “Introdução”, in Diogo do COUTO, Décadas, ed. António Baião. 2
vols. Lisboa: Livraria Sá da Costa, 1947, vol. 1 (pp. ix-cxxiv), p. lxxii. Para uma edição recente desta
biograia, ver Antonella VIGNATI, Vida e Acções de Mathias de Albuquerque Capitão e Viso-Rei da
Índia. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 19981999; e também Sanjay SUBRAHMANYAM, “‘he Life and Actions of Mathias de Albuquerque
(1547-1609)’: A Portuguese Source for Deccan History”, Portuguese Studies, vol. 2 (1995), pp.
62-77.
42 Sobre o reinado do xá Khudabanda, ver NEWMANN, Safavid Iran, pp. 41-49.
43 Ver NEWMANN, Safavid Iran, p. 137.
44 Ver Carlos ALONSO, “El P. Simon de Moraes, pionero de las misiones augustinianas en
Persia (†1585)”, Analecta Augustiniana, vol. 63 (1979), pp. 343-372.
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Rui Manuel Loureiro
esteve em Ormuz no seu Convento aprendêra a lingua Persa, e a lia, e escrevia
tão bem como os mesmos Persas” (10-5-6). Outras notícias sobre as coisas da
Pérsia apresentadas nesta Década foram transmitidas ao nosso autor por “hum
Armenio, pessoa veneranda, homem prudente, e de grandes mostras de santidade
com huma hypocrisia farisaica” (10-5-6), que a dada altura visitou Goa. E ainda
outros informes foram colhidas por Couto junto de um embaixador persa que
por volta de 1584 visitou a capital do Estado da Índia, icando alojado no mosteiro de Santo Agostinho: “aonde eu o visitei algumas vezes, e me informei delle
de muitas cousas da Persia: era homem, que tinha conhecimento das cousas de
Geograia, e mostrou-me hum Padrão, em que tinha arrumados todos os Reynos,
e Provincias do Oxá [sic], cousa curiosa, com seus meridianos, e parallelos, que
levava a ElRey” (10-5-6).45
Enim, uma última fonte a que Couto decerto recorreu, menos óbvia, porque
não é citada, seria a Historia della guerra fra Turchi et Persiani, impressa em Veneza
em 1588, da autoria de Giovanni Tommaso Minadoi, um médico italiano que estanciou demoradamente no império otomano.46 Talvez o nosso cronista tivesse à
sua disposição a tradução espanhola desta obra, preparada por António de Herrera y Tordesillas e impressa em Madrid em 1588: Historia de la guerra entre Turcos y
Persianos. Assim se explica o seu conhecimento íntimo destas matérias, bem como
alguns dos erros e equívocos que copiou da obra de Minadoi, e que poucos anos
mais tarde viriam a ser corrigidos nas Relaciones de Don Juan de Pérsia, impressas
em Valladolid em 1604.47 Uma referência erudita incluída num dos capítulos
desta Década fala da cidade de “Caeremete”, identiicável, “segundo Rusili”, com
“Aloriga de Ptolomeu, que elle na sua Taboa III. da Asia mette na Armenia maior”
(10-3-1). Diogo do Couto parece estar aqui a referir-se ao cartógrafo italiano
Girolamo Ruscelli, que foi responsável por uma edição da Geograia de Ptolomeu
impressa em Veneza em 1561. Mas decerto teria outros mapas à sua disposição.48
45 Aparentemente, este enviado persa viria mais tarde a perecer num naufrágio, a caminho
de Lisboa. Ver Luis GIL, El Imperio Luso-Español y la Persia Safávida. 2 vols. Madrid: Fundación
Universitaria Española, 2006-2009, vol. 1, pp. 77-78.
46 Ver Stephane
Stephane YERASIMOS, Les Voyageurs dans l’Empire Ottoman (XIVe – XVIe Siècles).
Ancara: Imprimerie de la Société Turque d’Histoire, 1991, p. 324.
47 Sobre este persa, convertido ao catolicismo em Espanha, ver Luis GIL, “Sobre
Sobre el trasfondo
de la embajada del Shah Abbas I a los Príncipes Cristianos: Contrapunto de las Relaciones de Don
Juan de Persia”, Estudios Clásicos, tm. 27 (1985), pp. 347-377.
48 Sobre Ptolomeu e a circulação da sua obra na Europa, ver Patrick GAUTIER DAL-
CHÉ, La Géographie de Ptolémée en Occident (IVe – XVIe siècle). Turnhout: Brepols, 2009;
sobre a cartograia europeia da Pérsia, ver Zoltán BIEDERMANN, “he Portuguese cartography of the Persian Gulf and its echoes in sixteenth century Europe”, in Dejanirah
COUTO, Jean-Louis BACQUÉ-GRAMMONT & Mahmoud TALEGHANI (eds.): Atlas Historique du Golfe Persique (XVIe – XVIIIe siècles) / Historical Atlas of the Persian Gulf
(Sixteenth to Eighteenth Centuries). Turnhout: Brepols, 2006, pp. 67-149.
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Notícias da Pérsia nas DÉCADAS DA ÁSIA de Diogo do Couto
Veriica-se, assim, que Diogo do Couto, ao tratar de assuntos relacionados
com a Pérsia safávida e com as regiões circundantes, utilizou os seus habituais
métodos de trabalho, já recenseados nas suas Décadas da Ásia para outras regiões
e/ou temáticas.49 Uma vez que nunca visitou Ormuz ou o território iraniano,
serviu-se de uma multiplicidade de fontes, que incluíam obras impressas em línguas europeias (nomeadamente em português, em espanhol e em italiano) que
existiriam na sua biblioteca pessoal, obras portuguesas manuscritas de variadas
procedências que de alguma forma lhe chegaram às mãos, documentos avulsos
que estariam arquivados na Torre do Tombo em Goa, e apontamentos de entrevistas ou de informes orais que foi recolhendo ao longo dos seus muitos anos de
residência indiana, junto de europeus e de asiáticos com que em algum momento
se cruzou. Entretanto, parece muito pouco provável que tenha recorrido a fontes
escritas em línguas orientais.
O quadro seguinte resume estes empréstimos diversiicados (aparecendo os
títulos ou utilizações conjecturais assinalados com *) (pág. 286).
Valerá a pena sublinhar, entretanto, que Couto nunca menciona nas suas Décadas da Ásia as duas fontes a que mais abundantemente recorreu para tratar temáticas persas: a Historia della guerra fra Turchi et Persiani de Giovanni Tommaso
Minadoi e a Relação do Estado da Índia de Frei Agostinho de Azevedo.
Diogo do Couto foi desde muito cedo um persistente coleccionador de documentos relacionados com a presença dos portugueses no Oriente. Talvez o trabalho de elaboração do Comentário d’Os Lusíadas, que lhe foi encomendado por Luís
de Camões na ilha de Moçambique em 1569, tivesse despertado uma já latente
vocação historiográica. Mas o que é um facto é que, praticamente desde os seus
primeiros anos de vivência asiática, Couto começou a recolher depoimentos de
homens de acção, cópias de cartas e de alvarás oiciais, relatos de feitos heróicos e
de viagens singulares, e descrições de povos e de terras exóticas.
Uma vez oicialmente incumbido da redacção da crónica da Índia, Diogo do
Couto trabalhou a um ritmo verdadeiramente alucinante, só explicável pela sistemática utilização de materiais por ele anteriormente preparados ou pelo abundante recurso a textos alheios. O confronto sistemático entre as nove Décadas
coutianas e um vasto leque de materiais coetâneos ainda hoje existentes permite
concluir, sem qualquer sombra de dúvida, que o cronista procedeu muitas vezes
como mero compilador de textos preparados por outros autores. Umas vezes,
limitou-se a transcrever de forma literal esses textos; outras vezes, parafraseia-os
ou reordena-os, reconstruindo uma prosa aparentemente inovadora a partir de
materiais pré-existentes. Em muitos casos, as fontes a que recorre são devidamente referenciadas nas páginas das Décadas; noutros casos, a respectiva utilização
pode ser deduzida a partir de coincidências textuais mais evidentes; e, noutros
49 Ver LOUREIRO, A Biblioteca, passim.
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Impressos
Rui Manuel Loureiro
FONTES DAS NOTÍCIAS SOBRE A PÉRSIA
Itinerário
António Tenreiro
(Coimbra, 1560; 1565)
Livro da origem dos Turcos
Fr. Diogo de Castilho
(Antuérpia, 1534)
Guerras turco persas, 1534
(relato italiano) *
Ruy Gonzalez de
Historia del Gran Tamerlan
Clavijo
(Sevilha, 1582)
Giovanni Battista
Navigationi et Viaggi
Ramusio (comp.)
(vol. 2, 2ª edição, Veneza, 1574)
Tratado das cousas da China
Fr. Gaspar da Cruz
(Évora, 1569-1570)
Ptolomeu
Geograia (Veneza, 1561)
ed. Girolamo Ruscelli
Informações orais
Manuscritos portugueses
Giovanni Tommaso
Minadoi
Fr. Agostinho de
Azevedo
Cosme Correia
D. Fernando de
Castro
Qara Hasan
Embaixadores dos
Mogores
Gabriel Polaco
Cosme Correia
Fr. Simão de Morais
Arménio
Embaixador persa
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Historia della guerra fra Turchi et
Persiani
(Veneza, 1588)
Relação do Estado da Índia
(Lisboa, 1603)
Relação das coisas dos
Mogores *
Crónica do Vice-Rei
Dom João de Castro (1598)
Relação da jornada de
D. António da Silveira *
Relação da jornada de
D. Gonçalo de Meneses *
Baroche, 1563
4-5-7
4-8-14
4-8-14
5-1-13
4-8-14; 5-1-13;
5-10-1
5-10-1
10-3-1
10-3-1; 10-41/2;
10-5-2; 10-611/12; 10-8-1;
10-9-3
5-9; 5-10
5-8-11
6-4-5; 6-7-7
7-3-1/4
10-2-10/14
5-1-11; 5-8-11
Goa
4-10-1
Goa
5-8-11
5-8-11
10-5-6
10-5-6
10-5-6
Goa
Goa
Goa, 1584
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Notícias da Pérsia nas DÉCADAS DA ÁSIA de Diogo do Couto
casos ainda, apenas a existência de discursos dissonantes aponta para o recurso a
elementos externos. Não é improvável, entretanto, que alguns dos empréstimos
textuais efectuados por Couto tenham aqui passado despercebidos.
Mas Diogo do Couto era também algo desleixado nos seus métodos de trabalho, pois é possível detectar numerosos lapsos de transcrição e de cópia ao longo
das páginas das suas Décadas. De tal modo que, muitas vezes, a existência deste
tipo de erros pode servir para constatar a efectiva utilização de uma determinada
fonte. Outras vezes, os diferentes textos que compõem uma dada Década são interligados de forma deiciente, criando problemas de articulação textual e dando
mesmo origem a aparentes contradições ideológicas. Diogo do Couto segue às
vezes tão ielmente a sua fonte, que é possível deduzir que as opiniões que emite
não são da sua responsabilidade. O leitor atento da prosa coutiana rapidamente se
aperceberá da existência de vozes dissonantes no interior de uma mesma Década,
facto que pode ser facilmente explicado pela utilização que o cronista português
faz de textos alheios, sem se preocupar demasiado com a respectiva adaptação e/
ou atribuição.
Entretanto, valerá a pena tomar consciência de que qualquer obra coutiana,
manuscrita ou impressa, na sua materialidade inal, não é certamente um produto
exclusivo do seu autor, ao contrário do que ingenuamente se poderia pensar. A
versão inal, que chega à posse do leitor actual, passou pelas mãos de secretários
e de amanuenses mais ou menos voluntaristas, de revisores e de censores mais ou
menos prolixos, e de tipógrafos e de livreiros mais ou menos experimentados.
Em inais do século XVI e inícios da centúria imediata, muito raramente um
determinado autor controlaria até ao im todas as distintas etapas da produção de
um dos seus livros. E valerá a pena acrescentar que tem sido salientado o importante papel desempenhado por Frei Adeodato da Trindade, cunhado de Couto,
na preparação da versão inal das Décadas coutianas impressas em tempo de vida
do cronista.50
A exploração das obras de Diogo do Couto, como se pode observar, não está
concluída, continuando aberta a novos inquéritos. E a questão das fontes utilizadas pelo cronista na composição das suas Décadas da Ásia não será o menos interessante dos problemas. De facto, uma análise mais cuidada revela dados sugestivos sobre a originalidade dos textos coutianos, sobre a extensão das suas leituras
e sobre os seus peculiares métodos de trabalho. Ao mesmo tempo, uma pesquisa
deste género contribui para esclarecer determinadas práticas culturais adoptadas
pelos portugueses no Oriente, nomeadamente em relação aos seus hábitos de
leitura e de escrita, às formas de circulação de textos manuscritos, às modalidades
de recolha de informação estratégica, à constituição de bibliotecas de livros impressos, ao registo de eventos ocorridos, aos modelos de debate intelectual, etc.
50 Ver CRUZ, Diogo do Couto, vol. 2, passim.
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Em suma, é todo um mundo cultural, em grande parte ainda por explorar, que
surge nos bastidores de uma aparentemente anódina relação de fontes utilizadas
por um cronista português, baseado no longínquo território ultramarino de Goa.
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